quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Camisa de Vênus – Viva (1986):





Por Davi Pascale

Hoje resolvi escrever sobre um LP que ouvi bastante na época em que estava descobrindo o rock nacional. Ainda era criança (sim, meu pai me deixava ouvir, apesar dos palavrões) e lembro-me de ter ficado impressionado com a vibração do show. O Camisa de Vênus não era uma banda de excelentes músicos (eram até fraquinhos para dizer a verdade), mas era uma banda honesta em seu som e em sua atitude. Isso fazia com que os seguidores os idolatrassem, o que explica a platéia extasiada.


O Camisa sempre foi conhecido por andar na contramão e em seu primeiro disco ao vivo, não foi diferente. Enquanto vários artistas entram em estúdio para corrigirem os erros do show que pretendem lançar, o grupo de Marcelo Nova fez exatamente o oposto. Pegaram a gravação nua a crua e prensaram no LP. Está tudo aqui. Os berros dos fãs, as microfonias, os erros, os diálogos improvisados de marceleza.


O grupo sempre causou incômodo. Sempre sofreu nas mãos da censura. Nessa época ainda existia censura nas rádios. Artistas como RPM, Blitz, Leo Jaime e o próprio Camisa de Vênus tiveram musicas vetadas das estações de rádio. No final dos anos 80, algumas estações começaram a tocar algumas musicas com um som de buzina nas partes mais cabeludas. Lembro de ter escutado uma versão de “Filha da Puta’ do Ultraje a rigor nas rádios com a famosa buzina (quem tiver curiosidade em ouvir, essa versão foi incluída na coletânea E-Collection: Sucessos + Raridades), O Camisa realmente não me recordo de ter escutado algo do tipo. 


Cansado de sofrer nas mãos dos Censores, o grupo decidiu colocar o LP nas lojas sem passar pelo crivo da Censura. Não demorou muito e a Policia Federal recolheu todos os discos das lojas. Entretanto, a banda saiu no lucro. Quando recolheram os discos, o vinil havia vendido 40.000 cópias. Depois que retornou às lojas passou rapidamente para 180.000 cópias. Todo mundo queria saber o que havia de tão especial para causar tanto estardalhaço. O disco voltou às lojas, mas é claro que foi censurado. 8 das 10 faixas tiveram sua execução proibida nas rádios e televisão. E o aviso vinha estampado na capa do disco. Essa era a arma da censura. Os principais meios de divulgação eram radio e TV. Não existia internet nessa época. Acreditavam que com isso, matariam o produto, mas dessa vez o tiro saiu pela culatra. Ainda bem, sempre achei censura um atraso de vida...

Vinil foi recolhido das lojas pela Policia Federal e teve 8 faixas censuradas
 
O Camisa de Vênus era um grupo irreverente, mas não é aquela irreverência sutil (embora genial) do Mamonas Assassinas, eram muito mais ásperos. Falavam o que vinha na cabeça. Nas letras, não tinha aquele receio de ‘não vou escrever tal expressão porque pode desagradar’. Era o famoso ame ou odeie. Eles cantavam os palavrões mais inescrupulosos uma década antes do Raimundos e do Velhas Virgens. O mais engraçado de tudo é que mesmo hoje em uma época em que todo mundo se paga de liberal (embora eu acredite que, no fundo, poucos sejam), os caras ainda incomodam. Adquiri o CD desse álbum recentemente (já tinha o LP mas queria ter um compact disc para ouvir no carro) e fiquei embasbacado quando reparei que a gravadora cortou várias falas do Marcelo Nova. Inclusive a histórica ‘homenagem’ ao Dia Internacional das Mulheres antes de “Silvia”. Um dos momentos mais lembrados entre seus fãs. Sem contar que eles alteraram a ordem das faixas e deixaram "Rotina" de fora. Atitudes, no mínimo, embaraçosa. 


Sendo assim, recomendo que você que está lendo esse texto e que não conhece o registro que, por favor, vá atrás do LP. O registro é histórico. A adrenalina dos músicos estava a mil, assim como a da platéia. O Camisa trazia tudo aquilo que um bom grupo de rock deveria trazer: som alto, atitude, garra e personalidade. As versões de “My Way”, “Silvia”, “Hoje”, “Bete Morreu”, “Eu Não Matei Joana D´Arc” e “O Adventista” são insuperáveis. Gravado no Caiçara Music Hall de Santos, em 8 de Março de 1986, é o trabalho definitivo do grupo baiano. Sem duvidas, um disco que merece ser redescoberto pela nova geração. Quem sabe não inspira alguns garotos a pegarem uma guitarra e criarem grupos de rock com um pouquinho mais de atitude do que vem sendo hoje?


Faixas:

01) Eu Não Matei Joana D´Arc
02) Hoje
03) Homem Forte
04) Solução Final
05) Rotina
06) My Way
07) Bete Morreu
08) Silvia
09) Metastase
10) O Adventista